Querida Mãe,
Tenho aprendido a construir em redor do teu vazio. Por vezes vou tão longe, dentro de mim mesma, que me esqueço que já não estás ali. Que só existe teoria, história e memória. Carne e abraço já não. Quando reparo que me lembrei de ti e esqueci que já não estás aqui, vem a culpa. Como posso esquecer? Se sei tão bem que eras casa e fiquei sem ter onde regressar…
Nos dias que me fazem mais pensar em ti, sei que sou tua quando canto pela casa num timbre agudo, como tu fazias. [Mãe, porque cantas tudo em fado?]. Sei que sou tua quando vejo flores e escolho as amarelas. Decorei que eram as tuas favoritas (talvez nem fossem) e por isso são as minhas. Sei que sou tua quando o meu amor é cozinhado e oferecido em prato cheio. Mesmo que o outro já esteja satisfeito.
Nos dias que me fazem mais pensar em ti, eu olho-me no espelho e vejo-te. Nas micro expressões e nas rugas, no contorno dos lábios e no olhar. Nunca nos encontraram muitas semelhanças. Mas os meus olhos são os teus. E ambas adorávamos os olhos de cada uma e este elo comum. Sabes que me têm elogiado muito a íris, ultimamente? Então ainda me miro melhor e vejo-te a ti, nas pinceladas de verde e castanho. A energia que o olhar carrega é tão intensa, a tal janela para a alma… Até pedi para me bordarem as frases que encontrei e gostava que fossem saídas dos meus dedos: “Be in my eyes. Be in my heart.”. Porque te carrego nos dois lugares, de onde espero ser impossível esquecer-te.
Em alguns dias a alegria não chega quando te observo em mim. Nos tiques e nos medos. Quero desaprendê-los sem te deixar escapar. Substituí-los por recordações boas, mas perceber que foram uma parte do caminho, necessária para o agora. O feliz agora. Que será o feliz futuro. Porque eu escolho assim.
Nos dias que me fazem mais pensar em ti, escolho ser feliz. Escolho a gana de viver. Escolho celebrar. Escolho a doçura invés da comum amargura. Ser branda comigo e com os outros. Ver o bom e focar ali o olhar: permanecer mesmo que os pensamentos tristes cheguem. Eles podem chegar mas na verdade, o meu coração quer ser leve e não posso carregá-los comigo.
Escolho a doçura.
Ana